Novos corpos, velhas leituras



Uma mulher negra, de meia-idade, sentada, com um livro nas mãos, em processo de leitura, ou com seus papéis e tecnologias a produzir seus textos, parece incomodar a muita gente, em certos momentos. É diferente a percepção quando estamos em outras atividades laborais, implicadas em servidão, a manusear outras ferramentas. Parece que não temos direito ao descanso, ao isolamento intelectual.  Há uma perversa semântica na amálgama desse corpo negro/mulher/trabalho. Quem já passou pelas experiências acadêmicas do Mestrado e Doutorado, sem licença profissional e cuidando da família, sabe muito bem do que estou falando. Uma mulher negra com uma pilha de livros e papéis em cima de uma mesa, também pode ser considerada uma louca, ou enlouquecerá de tanto estudar.

Ocupar o lugar de sujeito da nossa história é algo que desestabiliza a colonialidade das mentes ainda coloniais.  As leituras desse corpo negro intelectual exigem atenção, porque para muitos e muitas de nós, a consciência do racismo epistêmico é algo recente, em processo. Nessas leituras e interpretações, é preciso que seja respeitado o direito desse corpo mulher/negra/trabalho “não lavar os pratos”, no sentido poético da Cristiane Sobral; isolar-se num fim de semana com a cama recoberta de livros; não estar disponível para alguns eventos. Não é desleixo, não é ser mal amada, não é solidão. É uma relação diferente com o tempo. Um tempo que não tivemos e que nos é muito caro. É só um tempo de plantar. Assim, depois das mãos unidas, na força individual e coletiva do  “ninguém solta a mão de ninguém”, um dia, poderemos libertá-las  para a colheita. E essa será farta! Esse dia há de vir!


Terezinha O Santos (Teca Santos)

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