quarta-feira, 13 de novembro de 2019






 Novos corpos, velhas leituras



Uma mulher negra, de meia-idade, sentada, com um livro nas mãos, em processo de leitura, ou com seus papéis e tecnologias a produzir seus textos, parece incomodar a muita gente, em certos momentos. É diferente a percepção quando estamos em outras atividades laborais, implicadas em servidão, a manusear outras ferramentas. Parece que não temos direito ao descanso, ao isolamento intelectual.  Há uma perversa semântica na amálgama desse corpo negro/mulher/trabalho. Quem já passou pelas experiências acadêmicas do Mestrado e Doutorado, sem licença profissional e cuidando da família, sabe muito bem do que estou falando. Uma mulher negra com uma pilha de livros e papéis em cima de uma mesa, também pode ser considerada uma louca, ou enlouquecerá de tanto estudar.

Ocupar o lugar de sujeito da nossa história é algo que desestabiliza a colonialidade das mentes ainda coloniais.  As leituras desse corpo negro intelectual exigem atenção, porque para muitos e muitas de nós, a consciência do racismo epistêmico é algo recente, em processo. Nessas leituras e interpretações, é preciso que seja respeitado o direito desse corpo mulher/negra/trabalho “não lavar os pratos”, no sentido poético da Cristiane Sobral; isolar-se num fim de semana com a cama recoberta de livros; não estar disponível para alguns eventos. Não é desleixo, não é ser mal amada, não é solidão. É uma relação diferente com o tempo. Um tempo que não tivemos e que nos é muito caro. É só um tempo de plantar. Assim, depois das mãos unidas, na força individual e coletiva do  “ninguém solta a mão de ninguém”, um dia, poderemos libertá-las  para a colheita. E essa será farta! Esse dia há de vir!


Terezinha O Santos (Teca Santos)

sexta-feira, 4 de outubro de 2019




 


Água das chuvas 

Quando eu era criança, tinha muito medo de chuva...
Qualquer chuva, mas em especial, daquela que  caía  à noite,
com relâmpagos e trovões...
Espelhos cobertos, vasilhas aparando as goteiras ...
Minha mãe dizia que o trovão era   voz de Deus, zangado,
porque fizemos alguma coisa errada. Em silêncio eu Lhe pedia perdão... 
e  lutava para o sono não me vencer naquela frágil vigília.
Tinha medo de a chuva destelhar a casa e a enxurrada nos levar para longe.
Nas noites de chuva,  chorava debaixo do cobertor,
 pensando nas pessoas que andavam pelas estradas, sem abrigo.
Pensava em meu pai que longe de casa trabalhava, nos trechos,
como um servidor público de um departamento de estradas e rodagens.
Será que estava molhado? Estava com frio?
A impossibilidade de saber notícias sua, naquele momento,
aumentava a quantidade das minhas lágrimas
e a dor era um  nó  em minha garganta.
Chuva memória!
Cresci!
A chuva continua a me trazer sentimentos tristes. 
Luzes e buzinas nessa cidade grande
Dentro do carro,pingos de chuva no pára-brisa..
Pessoas nos pontos de ônibus buscando abrigo
pés encharcados dentro dos sapatos...
A roupa molhada sobre a pele...cheiro de umidade
Frio no corpo e n`alma!
A chuva ainda a cair!
Sinto pelas pessoas que estão em  situação de rua 
Sinto pelas ruas e seus trapos, entulhos, dejetos sociais
E eu aqui,  ilhada, solidão
Chuva lamentação!
E essa  vontade imensa de estar em casa,
Se pudesse, você, meu edredom!
E a chuva passou no tempo  levando consigo as moradias
Casa (im)própia dos condenados!
Condenadas casas
Diluídas nos sonhos da alforria habitacional
Vidas soterradas! "Que sirvam de exemplo!", disse o alcaide
Não foi culpa da chuva.. ! Faltou a alvenaria, a viga.
O pobre sabe que  faltou a cidadania!

As águas volumosas e a chuva  têm de mim os mais 
puros sentimentos de medo e respeito
Pelas vidas que se foram para os reinos fluviais dos  encantados. 
Velho Chico, Opará!
Orar, orar pelos povos de quem lhes foram retirados o chão dos seus pés.
Tumbeiro de desterrados , entre o céu e o mar
E se chove?  Entre as águas, as lágrimas dos  ébanos transatlânticos,
one more time!
À deriva!
Redivivos em terras estrangeiras, quando se lhes acontece
 Em outras terras  (sobre)viverem!

E assim compreendo que essas águas são a metáfora da vida
Água nutriz que nos orna no lar uterino
Água início e fim..dialética
Águas benditas soluçadas nas preces sertanejas
Água profética que arrebenta a semente
Água planta
Água benfazeja...assim seja. Água!!
E essa sede de viver
E esse medo que nunca passam... !



Foto: William Ferreira Carvalho

A Casa de D. Tiana!

                              É comum ouvirmos, em relação à escola, essa frase;" é a minha segunda casa".   Não discordo, cada um...