segunda-feira, 15 de junho de 2009


Nature

Adelia Prado

CORRIDINHO



--------------------------------------------------------------------------------



O amor quer abraçar e não pode.
A multidão em volta,
com seus olhos cediços,
põe caco de vidro no muro
para o amor desistir.
O amor usa o correio,
o correio trapaceia,
a carta não chega,
o amor fica sem saber se é ou não é.
O amor pega o cavalo,
desembarca do trem,
chega na porta cansado
de tanto caminhar a pé.
Fala a palavra açucena,
pede água, bebe café,
dorme na sua presença,
chupa bala de hortelã.
Tudo manha, truque, engenho:
é descuidar, o amor te pega,
te come, te molha todo.
Mas água o amor não é.


Adélia Prado

segunda-feira, 18 de maio de 2009








ÂNIMO, ANIMA

Ir para a sala de aula, a cada ano letivo, está representando para mim a entrada em um campo de batalha entre a minha vontade de continuar e o desejo de desistir de uma luta (vã). Ânimo. Vamos lá. Escrever os objetivos no plano de curso, entregá-lo à gestão pedagógica e antever o LUGAR que lhe será DESTINADO, antever também a sua ineficácia diante de uma turma de alunos, em sua grande maioria, “robotizada”, perante uma palavra dita ou escrita, na tentativa de uma mobilização discursiva: “É pra copiar?”.
Resposta negativa, interesse idem.



Quem dera que o registrado naqueles papéis se tornasse, em sua concretude, uma pauta de discussões e encaminhamentos. Em relação ao ensino da língua materna, por exemplo,que a concepção bakhtiniana de linguagem, na qual a palavra é o fenômeno ideológico, por excelência, fosse realmente a orientadora de um processo interacional na construção de sujeitos socializados, cultural e tecnicamente formados em direção à sua autonomia. Não é essa a função da Educação?


Entretanto, há um processo comunicativo em sala de aula, quase sempre interrompido pelo professor/a na tentativa de se conseguir um mínimo da atenção do alun@, quando se pede que esse/a dedique menos atenção aos seus acessórios tecnológicos e participe da aula exposta. Notadamente, percebe-se que com o advento desses gadgets que vão do telefone celular a outros sofisticados aparelhos de entretenimento, mudam-se as formas de interação entre os próprios adolescentes, paradoxalmente, o silêncio é perturbador nesse contexto de fones compartilhados, suas vozes silenciadas e a nossa que não os alcançam.

E a figura do professor/a vai se transformando naquela imagem dos “evangélicos”, que perseverando em levar a palavra de Deus, não importa onde, nem quando, são tomados por uma força incomum e uma inabalável fé na “missão” de anunciar a volta do Salvador. Sabe-se também, que para muitos, aqueles/as não passam de fanáticos, alienados, ora, já não é essa a representação coletiva da maioria dos professores/as no imaginário social?

Volto a insistir na escola como o lugar do não-sentido para alguns educand@s e na sala de aula como a possibilidade de uma revolução ou o lugar da acomodação, muito bem caricaturado naquela imagem dos três macaquinhos, cada um com sua habilidade específica. Um quadro recorrente que moldura uma cena de leitura em sala, quando solicitamos ao aluno sua opinião sobre o texto que acabamos de ler. E como resposta: que TEXTO???

Ir para a sala de aula, a cada ano letivo, está representando para mim (...)


Terezinha Oliveira Santos
Professora das redes estadual e municipal de ensino de Salvador/Bahia

sexta-feira, 17 de abril de 2009





ASHELL,ASHELL PRA TODO MUNDO, ASHELL


Elisa Lucinda




Ela mora num Brasil
mas trabalha em outro Brasil
Ela, bonita...saiu.Perguntaram: Você quer vender bombril?
Ela disse não.
Era carnaval.Ela, não-passista, sumiu
Perguntaram: empresta tuas pernas, bunda e quadris para um clip-exportação?
Ela disse não.
Ela dormiu. Sonhou, penteando os cabelos sem querer
se fazendo um cafuné sem querer
Perguntaram: você quer vender henê?
Ela disse nãâãão.
Ficou naquele não durmo não falo não como...
Perguntaram: você quer vender omo?
Ela disse NÂO.
Ela viu um anúncio da cõnsul para todas as mulheres do mundo...
Procurou, não se achou ali. Ela era nenhuma.
Tinha destino de preto.
Quis mudar de Brasil: ser modelo em Soweto.
Queria ser realidade.Ficou naquele ou eu morro ou eu luto...
Disseram: Às vezes um negro compromete o produto.
Ficou só. Ligou a TV
Tentou achar algum ponto em comum entre ela e o free:
Nenhum.
A não ser que amanhecesse loira, cabelos de seda shampoo
mas a sua cor continua a mesma!
Ela sofreu, eu sofri, eu vi.
Pra fazer anúncio de free, tenho que ser free, ela disse.
Tenho que ser sábia, tinhosa, sutil...
Ir à luta sem ser mártir.
Luther marketing
Luther marketing...in Brasil.

João Henrique,quatro meses depois...


sábado, 24 de janeiro de 2009

Lady Kate e a “pobremática” da educação escolar





por Terezinha Oliveira Santos


O humorístico "Zorra Total" (Rede Globo) pode ser considerado uma pausa para o riso nas noites de sábado de muitos telespectadores. O programa ganhou alguns pontos de audiência com o surgimento da personagem "Lady Kate", que caiu no gosto da maioria da população que se diverte com a "loira" e seu fiel escudeiro, Glauber. Mais do que uma sátira, Lady Kate pode ser vista por vários ângulos sob o aspecto da temática identitária, um dos assuntos amplamente discutidos dentro das Ciências Sociais, no contexto da pós-modernidade.

Na categoria de gênero, "Lady" é uma mulher que assumiu por um tempo a identidade de prostituta na casa de "Madame Sofia", e graças à proteção de um senador, emerge daquela representação, num outro patamar social no qual possui dinheiro, logo tem outro poder e nesse deslocamento é levada a buscar um lugar na high society. Embora situada em um tempo histórico no qual tudo pode ser mercantilizado, a moça, com o capital financeiro, não consegue comprar o seu capital cultural , daí as suas várias tentativas naquele empreendimento e a sua frustração proveniente da disjunção dinheiro x glamour.

Fazendo uso da língua portuguesa em sua variedade não-padrão, a personagem comunica-se, a seu modo. Sua pronúncia do "Grauber", apesar de estigmatizada, encontra seus pares na linguagem de muitos por esse Brasil naqueles que de alguma forma, se identificam com a "parole" de Lady, e não só nesse aspecto. "Grauber", ao invés de Glauber, "prano", no lugar de plano, não se constituem erros. Se os textos literários são a referência para a norma culta padrão, esse encontro consonantal, um fenômeno denominado rotacismo[1], explicado pela passagem do latim ao português, aparece em "Os Lusíadas", escrito por Camões no século XVI, atestando um processo ainda vigente na história da formação de nossa língua

Kate está hibridamente localizada na tentativa de ser uma "Lady" cujo passado é por ela retomado a todo instante, nas lembranças, coma "presença"da prima Bebel[2] como receptora invisível e silenciosa de uma interlocução via telefone celular e a do amigo e "brother" Salsichão. No entanto, é o seu "personal style" que a todo o momento a incita a distanciar-se dessas pretéritas imagens marginais e dar o "salto" para o centro. Entre o passado e o presente, a personagem se deixa levar pelas futilidades do consumismo, mas recobre sua razão diante das "injustiças sociais", em especial àquelas direcionadas ao seu "bródi" sempre inserido no contexto atuacional e visibilizado por Lady, como um ícone representativo de seu passado que ela não pode e não quer esquecer. Em defesa de "Salsichão", a personagem rodopia e abre mão de todas as aproximações que a permitiriam adentrar a "terra prometida", ou seja, o território do "grand monde". O dinheiro é a espada com a qual a defensora loira e poderosa se coloca ao lado dos fracos e oprimidos.
.
Apesar de toda a sua sensibilidade, em nenhum momento Lady Kate procura o seu glamour via letramento escolar. Talvez, porque em sua condição de "nouveau riche" , a cultura letrada possa ser vista como algo indispensável. Se ela quiser, pode até comprar uma universidade e ali se instalar como reitora. Um fato também comum, em nossa realidade quando o ensino mercantilizado está, em alguns casos, em mãos de empresários. È sabido que, a um preço razoável, pode se comprar um histórico escolar e pôr em funcionamento uma escola de ensino fundamental ou médio ou uma faculdade de "ponta de esquina", cujo compromisso pedagógico com seus alunos pode ser resumido, em muitos casos, no "pagou,passou".

Entretanto, para muitos alunos, a escola deixou de ser vista como o caminho que os levaria a "ser alguém na vida". Vítimas de um ensino que não lhes garante a autonomia da leitura e da escrita, para muitos jovens aquele espaço pedagógico passa a ser o lugar do "não-sentido". A linguagem da escola é uma e a vida lá fora, na sua dinâmica, os impõe outros textos. É nesse truncamento que se interpõe a maioria dos conflitos e a situação de "alienígenas" entre os sujeitos do ensino e da aprendizagem. O abandono escolar torna-se iminente para os educandos pela necessidade de adentrarem o mundo do trabalho cada vez mais representado por empregos alternativos.

As vagas oferecidas pelo mercado trabalhista requerem habilidades ausentes na maioria da população pobre, uma categoria social associada ao quesito étnico-racial e com isso entra em cena o item da aparência. Na disputa por um cargo no setor privado não basta ser jovem ou ter uma escolaridade, um (a) candidato(a) branco(a) tem mais chances de ser selecionado(a) que um negro(a).Em nossa cidade,basta olhar nos grandes "shoppings" ou outros conglomerados a massa populacional que ocupa a "linha de frente" e os que fazem os chamados "serviços gerais".

A conclusão da escolaridade básica torna-se, para muitos educandos, uma etapa de composição curricular que eles precisam obter para entrar em outra escola e ali adquirir uma profissão, haja vista, a lei da oferta e da procura nos cursos de telemarketing, auxiliar de enfermagem, manutenção de computadores, citados aqui como ilustração. Outra saída é a procura por uma vaga no setor público, o que corresponde a necessidade de um investimento de tempo e dinheiro para a devida preparação diante da crescente concorrência naquele aspecto.
É comum se ouvir que todos podem ascender socialmente, depende apenas do seu esforço pessoal. Em relação a esse pensamento, é pertinente o discurso de Milton Santos[3],quando esse afirma

"Acho um enorme equívoco. Quando dizem isso, fazem um enorme mal à comunidade negra. Fica parecendo que para ficar milionário basta fazer esforço e que a questão pode ser tratada na base do voluntarismo. Neste final do século 20, quando a referência tem um papel evidente que certas formas de esforço são importantes e devem ser mostradas. Mas é importante mostrar também o mecanismo social que leva a isso."


Trazendo o "esforço pessoal" para o contexto da Educação de Jovens e Adultos é notória a internalização dos processos excludentes na vida daqueles educandos, a começar pela dificuldade em adentrar ou permanecer numa escola regular, seguida pelas conseqüências advindas do frágil letramento a que estão submetidos. Para muitos, voltar às aulas nos cursos noturnos, depois de um dia de trabalho, significa recuperar o tempo "perdido", enquanto para o aluno E.R.S (27 anos)[4] é a chance de aprender o "português legítimo".

O desejo daquele educando reforça o imaginário do bem falar e escrever pautados por uma norma padrão que configura à língua portuguesa uma unidade lingüística, em detrimento da sua variedade e que por algum tempo teve na língua literária sua representação como um ideal a ser perseguido. Quando a escola, em seus documentos oficiais, passa a reconhecer a diversidade lingüística brasileira, tal situação pode significar um passo à frente para muitos educandos que adentram aquele espaço. A escola tem por função promover um ensino de língua materna que contemple suas variantes, contextualizando-as e levando o aluno à reflexão crítica daquela ferramenta comunicativa em seus aspectos sócio-políticos e culturais.

Na perspectiva de uma pedagogia multiculturalmente sensível que defendo, creio que necessário se faz com urgência, uma reformulação nos cursos de formação inicial, principalmente que se dê ênfase aos conhecimentos dos processos de alfabetização em consonância com a sociolingüística do português brasileiro. Tais conhecimentos deveriam compor a grade curricular não só do curso de Pedagogia, como também o curso de Letras, para que (o/a) futuro (a) professor (a) egresso (a) daquelas áreas de conhecimento pudesse ter uma melhor compreensão das dificuldades inerentes ao ensino/aprendizagem que certamente alguns educandos se lhe apresentarão em sala de aula.

A condição de analfabetos funcionais a que temos condenados a maioria dos educandos da escola pública, um espaço onde a comunidade negra compõe a densidade populacional, não nos permite pensar num mundo melhor, principalmente diante dos avanços tecnológicos com o qual a humanidade tem se deparado. Nesse mesmo mundo mediado pelo consumo, no qual tudo está à venda, o dinheiro pode comprar tudo, ou quase tudo, pois o conhecimento letrado ainda pode ser concebido como um empoderamento e um bem inalienável. Continuaremos a rir de Lady Kate, certamente, em suas "gafes" e tropeços lingüísticos de toda a ordem, o que não tem graça é a zorra em que vem se transformando a educação pública, de um modo geral.
________________________________________
[1] Bagno.M. A Língua de Eulália, Parábola,2007.
[2] Uma garota de programa, vivida pela atriz Camila Pitanga, na novela "Paraíso Tropical" de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, exibida pela Rede Globo em 2007.
[3] Em;http://www.portrasdasletras.com.br/pdtl2/sub.php?op=redacao/temas/docs/negronobrasil: Acessado em11 de novembro de 2008
[4] O aluno assim me respondeu quando questionado acerca dos seus objetivos na sala de aula da EJA, no curso Aceleração(7/8ª séries),em 2006.

A Casa de D. Tiana!

                              É comum ouvirmos, em relação à escola, essa frase;" é a minha segunda casa".   Não discordo, cada um...