Aproxima-se
o dia 20 de Novembro e, com a data, aproxima-se também o mal-estar de alguns
docentes com a obrigação de falar para ou com os alunos sobre “essas coisas de
preto”. Neste “Novembro Negro” alguns episódios interseccionam-se em preconceitos e
discriminações e não seria justo que eu permanecesse no silêncio, atitude que em nada me ajudou, até agora. Organizarei aqueles episódios em cenas:
Cena
1: A mídia nos traz a notícia que, em Salvador, uma mulher negra, pobre,
fragilizada com os problemas de saúde acarretados pela obesidade dirige-se a um
profissional de saúde em busca de ajuda. Depois de entrevistada, sai do
consultório com uma receita onde consta o nome do remédio: “Cadialina”. Normal.
Normal seria, se o tal remédio não fossem os sete cadeados que a moça deveria
encomendar ao ferreiro e, para resolver a sua situação, deveria colocá-los, cada um em determinados e
perigosos lugares tais como: boca, fogão, geladeira, etc. sem esquecer-se de
complementar essa instrução com uma dieta à base de água.
Cena
2- Na periferia de Salvador, uma escolar municipal está em festa, pois, naquela
manhã, os alunos do ensino fundamental 1 sairão em caminhada, por um pequeno
trecho do bairro, sensibilizando a população com cartazes onde constam alertas
sobre a Dengue, a Educação para o Trânsito, a escassez da água e a Cultura da Paz.
O som da fanfarra com suas bailarinas mistura-se aos cuidados das professoras com
a organização de suas alas e esse frenesi
vai deixando aquela manhã com um tom diferente na rotina escolar. Chegam
professores de outro estabelecimento e são recepcionados pela gestora e por uma
professora negra que atua neste turno como coordenadora do Programa Mais
Educação. Em meio à conversa, uma professora quer saber da coordenadora se ela
já terminara o Mestrado e essa, alegremente, lhe diz que sim, aliás, acabara de
concluir o doutorado, também, ao que o gestor convidado pergunta-lhe: _Onde,
no Paraguai?
Cena
3- Nesta mesma escola, neste mesmo dia, à tarde, professores estão reunidos no
horário do intervalo. Aquela coordenadora, agora regente de sala, comenta com o
grupo o fato ocorrido na Cena 1. Uma professora diz que “às vezes, as coisas
não são bem assim, é porque esse povo transforma tudo em problema”. Acaba-se o intervalo, voltamos às nossas
salas de aula. Entretanto, as cenas deste nove de novembro, não me saem da cabeça. O que devo
dizer àquele gestor, também negro, com sua pergunta e resposta já inclusa a
partir de uma localização geográfica carregada
de estereótipos que nos possibilitam outras leituras. E não estou falando aqui
da migração docente para terras latinas em busca de uma chance acadêmica. Não,
caro gestor, embora lá me dissessem que eu não tinha o perfil, conclui meu
curso em Linguística Aplicada, na Universidade Federal da Bahia.
O
que dizer àquela professora, que talvez não se identifique como negra, e tem
esse direito, justamente quando na escola estamos finalizando o semestre com um
projeto pedagógico falando sobre diferenças e preconceitos. De que maneira a
professora discute esse assunto com seus alunos? Discute? O que dizer a todos
aqueles que nas suas relações de poder se acham no direito de trancar a nossa
mente, abrir nossos sexos, ferir nossos ouvidos com a violência ambivalente das
palavras que machucam sem querer, que
ferem sem querer. O diabo é essa nossa
sensibilidade. No entanto, caro doutor, há problemas que não se resolvem com os
cadeados. Esses, já temos... E
muitos! A nossa luta histórica é a busca
pelas chaves. Estamos pouco a pouco, encontrando-as, apesar de você(s).
Profª
Drª Terezinha Oliveira Santos
Professora
da Rede Municipal de Salvador/SECULT